A Serra Gaúcha que eu conheci – 8
Bons Vinhos

A Serra Gaúcha que eu conheci – 8


O Mercosul

Uma das experiências mais marcantes que tive quando ocupava o cargo de Vice-Presidente para Vinhos Finos da UVIBRA-União Brasileira de Vitivinicultura foi a participação como um dos representantes do Brasil nas negociações do Mercosul.

A primeira reunião informal, prévia às discussões de harmonização das leis vitivinícolas de cada país, foi em Porto Alegre na sede do Sindicato do Vinho.
Dela participaram três representantes do setor argentino. Um colega meu de estudos de enologia na década de sessenta e um velho e tradicional cantineiro de Mendoza. A primeira declaração deste último foi a de que o Brasil deveria deixar de produzir vinhos porque não tinha condições de clima e solo, precisava chaptalizar, cultivava uvas da espécie americana, etc. Na opinião dele o Brasil deveria abastecer-se com vinhos da Argentina e abandonar sua vitivinicultura. É de imaginar a péssima impressão que este ilustre senhor deixou em todos nós que educadamente tentamos defender nossas regiões produtoras.

A reunião foi curta e pouco agradável. À saída peguei meu colega pelo braço, levei num canto e disse: “Melhor que este senhor não participe mais de nossas reuniões porque sua presença dificultará qualquer entendimento”. Por sorte fui ouvido, ele desapareceu e as negociações começaram.

Das reuniões formais participavam representantes de Uruguai, Paraguai, Argentina e Brasil. Do Uruguai participavam alguns cantineiros mas era o INAVI-Instituto Nacional de Vitivinicultura quem falava pelo grupo. O Paraguai, por ter uma vitivinicultura minúscula, participava quase como ouvinte. Da Argentina participavam os representantes de duas entidades produtoras: as grandes cantinas através da AVA-Asociación Vitivinicola Argentina e as pequenas cantinas através da UVA-Unión Vitivinícola Argentina. As duas entidades defendiam interesses diferentes e o posicionamento brasileiro em boa parte coincidia com o da UVA, o que contribuiu para o avanço das discussões de alguns temas “espinhosos”.

Na primeira reunião de trabalho ficou claro o ambiente tenso que existia devido à postura impositiva da Argentina que colocou na mesa, de imediato, temas delicados como a livre circulação de vinhos a granel, o cultivo de uvas americanas e a chaptalização. Foi necessária uma postura firma de nossa parte na qual fomos acompanhados prontamente pelos representantes uruguaios. O respeito à situação individual de cada região produtora e a proteção da entidade VINHO deveriam estar por cima dos interesses imediatos dos países.

E justamente foram estes os temas que quase acabaram com o propósito maior: criar condições para a livre circulação de vinhos e seus derivados respeitando as individualidades e garantindo a concorrência leal baseada em produtos genuínos e de qualidade.

Circulação de vinhos a granel:
Os representantes da AVA argumentaram que num mercado livre deveria ser possível a circulação de vinhos a granel, o que permitiria que produtores argentinos de grande volume tivessem instalações em São Paulo, por exemplo, para engarrafar vinhos oriundos de seu país.

A postura de Uruguai e Brasil, rapidamente aceita pelos representantes da UVA, foi a de que isso seria permitir o surgimento do “vinho do Mercosul”, sem pai nem mãe, contrário ao conceito de engarrafamento na origem, variável fundamental para garantir qualidade.

Este tema permaneceu sem solução por parte da Argentina até que um grupo de representantes brasileiros do qual formei parte, foi a Mendoza a expor ás autoridades estaduais a necessidade de estabelecer a proibição da circulação de vinhos a granel.

O dano seria irreparável e os vinhos produzidos em Mendoza acabariam sendo binacionais. Nesta visita conseguimos mostrar os argumentos ás autoridades locais que concordaram reagindo na forma de maior participação nas discussões. O tema vinho a granel finalmente tinha sido superado.

Com certeza hoje aqueles que defendiam essa aberração, ao observar o ganho de mercado que os vinhos argentinos tiveram no Brasil, devem perceber a estupidez que quase cometeram.



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