O Crusoé de Mallorca
Bons Vinhos

O Crusoé de Mallorca


Por Luiz Horta
 
Toda ilha é uma ilha. Por mais próxima do continente que esteja, continuará cercada de água, com isolamento e limites determinantes. Talvez por isso eu sinta os vinhos produzidos em ilhas como originais, esquisitos, impertinentes. Mesmo antigos e tradicionais, como os Madeiras, são fruto de uma visão afastada das grandes massas de terra, carregam uma poesia adicional, mais no estilo homem versus terroir que cúmplice dele.
 
Os exemplos são inúmeros: os de uva Assyrtiko em Santorini, Monica na Sardenha, os de Vermentino na Córsega, as várias castas sicilianas e os peculiares vinhos da Ànima Negra maiorquina. Nem sempre são uvas autóctones, mas ganham características especiais nas versões insulares. O solo vulcânico da Sicília é uma prova do que estou dizendo. E o ilhéu é antes de tudo um precavido. A possibilidade de faltar tudo de repente e ele ficar lá, como um Crusoé, é grande. Por isso a vinicultura em ilhas é diferente, precisa ser inventiva, improvisadora.
 
Conheci Miquel Ángel Cerdá, um dos proprietários da vinícola Ànima Negra, alguns anos atrás. Um boêmio workaholic, se o termo faz sentido. Um amigo dele herdou um vinhedo com uvas estranhas para nós, Callet, Mantonegre e Fogoneu. Chamou Cerdá, que naquele momento tocava uma empresa (de um barco só) ligando a costa Valenciana na Espanha a Mallorca. Ele vendeu o barco (“transformei madeira em madeira”, contou) para comprar barricas e, mais ou menos consciente de que beberiam todo o vinho eles mesmos, pensou que pelo menos não faltariam boas garrafas à mesa.
 
As primeiras vinificações foram feitas em um curral abandonado, parte da propriedade, usando instalações originalmente destinadas a ordenha e processamento de leite. O vinho seguiu o estranho caminho que fazem as coisas predestinadas. Foi casualmente provado por Parker. Bem pontuado, virou líquido de desejo. Os preços subiram, os sócios viraram empresários.
 
Cerdá continua igual, mesmo sendo dono de uma vinícola cult. Toda vez que vem ao Brasil me presenteia com um livro de um artista de que gostamos muito: Miquel Barceló. Foi Barceló que desenhou os rótulos do Son Negre, o caro e raro vinho top da AN. Fez um peixe sobre um envelope que estava na mesa da cozinha, rasgou e presenteou aos amigos: “Está aqui seu rótulo”. Quando me encontro com ele sinto que as utopias são possíveis. Bebemos seus extraordinários vinhos e raramente falamos deles, mas da vida.
 
A Callet ganhou o mundo. É realmente autóctone e seu habitat ideal é o solo argilo-arenoso da ilha de Mallorca. Os vinhos da Ànima Negra, totalmente orgânicos, foram incluídos na Arca do Sabor do Slow Food. Os dois sócios começaram a explorar outras variedades regionais, em blends.
 
Toda viagem a São Paulo, Miquel Àngel fala de seu sonho que é vender tudo e voltar para o mar, ficar navegando e olhando as estrelas com a família. Continua queimado de sol, de camisa aberta no peito e desconfortável nos hotéis de luxo. Seus olhos sorridentes só brilham de fato quando conta da matança anual do porco e das festas em Felanitx, essa sua cidade com som de irredutível aldeia de história em quadrinhos e meros 20 mil habitantes.
 
De tanto sonhar inventou Quibia, apelido que dá ao mar Mediterrâneo, um lugar mítico onde tudo é bom, nome de seu vinho branco e local não geográfico, que pertence a quem for e quiser ser seu cidadão. Um dia Cerdá vai mesmo recomprar seu barco e voltar ao mar. Melhor beber seus vinhos antes disso.
 
 
Fonte: Estadão



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