Porque é que o vinho dá dores de cabeça?
Bons Vinhos

Porque é que o vinho dá dores de cabeça?


Não falamos da ressaca do dia seguinte mas da dor de cabeça que aparece depois de dois copos. São poucas as pessoas que sofrem do mal-estar mas vários os possíveis culpados.
 
 
Dois copos de vinho e uma dor de cabeça momentos depois. A receita não é igual para todos e afeta uma pequena percentagem da população. Ainda assim, vale a pena perguntar: porque é que algumas pessoas ficam com dor de cabeça após beberem vinho? E não, não falamos da ressaca do dia seguinte, que habitualmente acontece depois de copos a mais, mas do mal-estar que alguns experienciam depois de consumir o néctar.
 
Se à princípio a questão parece simples, o mesmo se poderia julgar da resposta. Mas não. Encontrar o culpado não foi tarefa fácil. Foi (e continua a ser) uma verdadeira dor de cabeça. Depois de sucessivas entrevistas, apontam-se três culpados possíveis: sulfitos, histaminas e tiraminas (no ranking também estão os taninos, apesar de não termos encontrado explicações suficientes junto dos entrevistados).

Rodolfo Tristão, presidente da Associação dos Escanções de Portugal, é da mesma opinião: “A tendência agora é para fazer vinhos apostados na qualidade e no facto de serem amigos do ambiente. Quanto mais natural, melhor. E, sim, a tendência no mercado atual é para colocar a menor quantidade de sulfitos possível: à medida que os anos vão passando, os produtores vão colocando menos sulfitos”. Tristão esclarece também que não há vinhos sem sulfitos, apenas vinhos sem sulfitos adicionados.
 
Exemplo disso são os néctares biológicos, tal como os da CARM – Casa Agrícola Roboredo Madeira, empresa familiar criada em 1999. O seu administrador, Filipe Roboredo Madeira, faz questão de evidenciar que, na sua opinião, os culpados pelas dores de cabeça são os taninos. Apesar disso, ele é o responsável pelo primeiro vinho português vinificado sem adição de sulfitos, SO2 free — o branco, colheita de 2011, foi eleito há meses o “melhor vinho branco do ano” no Brasil, cortesia da publicação especializada Prazeres da Mesa. Considerando, então, um vinho sem sulfitos adicionados, a alergologista Célia Costa admite que esta pode ser uma “mais-valia”, porque “a maior parte dos doentes consegue tolerar este tipo de vinho”.
 
Hipóteses 2 e 3: Histaminas e tiraminas
 
 
Ainda antes de entrarmos pelo mundo das aminas biogénicas adentro — resultam da ação de algumas bactérias sobre os aminoácidos –, já o coordenador de dois mestrados em viticutura e enologia do Instituto Superior de Agronomia explicava orgulhosamente que o vinho “é uma bebida alimentar extremamente complexa”. “Num copo de vinho estão milhares de compostos dissolvidos, essa é a beleza da bebida e a mais-valia do sector. Não se trata de uma Coca-Cola ou de um sumo de laranja, não há uma receita única. De um ano para o outro não há dois vinhos iguais”, diz Jorge Ricardo Silva. O académico chama ainda a atenção para o facto de também não existirem duas videiras iguais, cujo ADN é sempre diferente. E relembra que Portugal acolhe 350 variedades de videira — a título de exemplo e de comparação, na Nova Zelândia existem apenas 10.
 
Voltando aos assuntos complicados, a histamina e a tiramina são outras das suspeitas. “O vinho induz a libertação de histaminas e tiraminas no corpo”, adianta a alergologista Célia Costa, apesar de desconhecer o metabolismo em causa. A histamina é uma molécula presente na resposta do sistema imunitário e promove a dilatação dos vasos sanguíneos. O aumento desta substância no corpo pode provocar erupção cutânea e urticária – uma inflamação da pele com comichão –, mas tal acontece apenas em pessoas sensíveis, isto é, cuja metabolização da histamina seja deficiente. E, dentro desse perfil, considerando uma concentração muito elevada (mais de 100 mg/decilitro).
 
Tal como os sulfitos, a sensibilidade à histamina está associada a um limiar de tolerância que varia de pessoa para pessoa. É, pois, um problema de sensibilidade individual, diz Nuno Borges, que avança outros detalhes para melhor compreendermos a histamina: “A histamina, e só a histamina, existe no nosso corpo. Quando há uma reação alérgica, como uma picada da abelha, as células libertam histamina como forma de reação ao veneno da abelha, o que dá início ao processo inflamatório. A histamina que temos está muito bem regulada e só pode ser libertada em quantidades muito pequenas. Quando vem da alimentação, não precisamos dela para nada.” Borges esclarece ainda que “quem fica mais sensível aos vinhos, também ficará a outros produtos, como alguns tipos de queijos e conservas”. E se por um lado Célia Costa diz que a tiramina é uma molécula que carece de estudo, Nuno Borges afirma que esta faz “subir a pressão arterial”, embora considere a existência de sensibilidade à tiramina uma realidade bem mais rara.
 
Caso esteja curioso, Nuno Borges acrescenta que não existe alergia ao álcool. A principal via para o ser humano se ver livre do álcool no sangue é metabolizando-o, transformando-o em algo “neutro” e em “energia” — as outras vias são a urina e a respiração, embora não sejam suficientes para o efeito. Assim, “há pessoas que têm uma capacidade enzimática muito baixa para metabolizar o álcool, pelo que bebem um copo de vinho e ficam completamente atabalhoadas. Não é alergia, é défice metabólico.”
 
Suspeitos? A culpa fica por apurar
 
Sulfitos, histaminas e tiraminas. O trio de suspeitos não passa disso mesmo. Porque apesar de existirem determinadas evidências, é difícil apontar um dedo acusador. “O tema em si não é inequivocamente estudado. E há sensibilidades individuais distintas”, diz o nutricionista Nuno Borges. O engenheiro alimentar Nuno Lima Dias acrescenta: “beber vinho não é um risco e o álcool, se consumido moderadamente, pode ter um efeito protetor a nível cardiovascular.” E, sim, há vantagens em beber um copo de vinho por dia.

Fonte: Observador



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