Já dizia Antônio Conselheiro, que "O sertão vai virar mar". Um verdadeiro milagre da natureza faz das margens do São Francisco uma das mais promissoras regiões produtivas do Brasil. As vastas planícies do sertão semi-árido, cobertas de caatinga, tem tons marrons únicos.
Com temperaturas que podem bater os 40 graus, um sol escaldante, um rio corta a paisagem, com suas águas cristalinas, abundantes, desenhando serpentes e praias: o Rio São Francisco. Calangos correm entre os cactus, além de aves e outras espécies, contrastando com o verde da irrigação. Basta as primeiras gotas tocarem o solo que, de tons ocres, a paisagem se transforma em verde em poucos dias. Com a ação do homem e alta tecnologia agrícola, aliando sistemas de podas, irrigação, controle e manejo, há a milagrosa transformação de um dos mais ardentes desertos em um abençoado oásis, o paraíso das frutas tropicais. Mangas, melancias, melões, coco, banana, abacaxi e, claro, lindas uvas de todos os estilos são so produtos ícones da região.
O Vale do Rio São Francisco prova que água é vida. A cidade de Petrolina/Pernambuco, juntamente com Juazeiro/Bahia são as bases comerciais e industriais. Derruba qualquer conceito de terroir, safras boas e ruins, o esperar que o tempo atue para depois pensar no vinho. O astral é muito agradável, com orla do rio cheia de bares, boa vida noturna; o vinho começa a ganhar espaço entre os nativos e turistas. Pessoas do mundo inteiros vêm estudar este fenômeno: todas estas condições climáticas permitem que uma videira produza até cinco ciclos em um período de dois anos. Conforme a programação e organização de uma fazenda, há colheitas todos os dias. Ressaltam que as melhores vêm do segundo semestre. Há uma padronização quanto a qualidade dos vinhos, são sempre muito similares, independente da colheita. Para os negócios há boa rentabilidade, pois esta grande produção diminui a ociosidade da estrutura da vinícola, gera muitos empregos. O resultado são vinhos jovens, com boa graduação alcoólica, muitos aromas frutados e perfeitos para consumo em um país tropical como o nosso, com a vantagem de economicamente serem mais baratos e muito competitivos.
As variedades que melhor se adaptaram a este sistema foram a branca Chenin Blanc e a tinta Syrah. Lá também se produz muito espumante moscatel. Grandes grupos internacionais dividem espaço com empresas familiares, sendo as principais Ouro Verde (Miolo), Rio Sol (Dão Sul - Portugal), junto as Garziera, Botticelli, Chateau Ducos e a pequenina Bianchetti. Esta última produz vinhos orgânicos, sendo a personagem do Brasil no documentário "Mondovino". Além da fascinante experiência de ver os vinhedos juntos e em vários ciclos, também é possível ver as produções de uva de mesa. Videiras carregadas de cachos enormes, perfeitos, de mais de duzentas variedades que hoje vêm sendo testadas: com ou sem sementes, com sabores específicos, rosadas, tintas, brancas, muito suculentas, carnudas. E o melhor é ver o sorriso das pessoas trabalhando em meio aos vinhedos tão lindos. Questionados, dizem que a uva os prendeu a terra, evitou o êxodo rural. Além do vinho, o rio possibilita uma gastronomia única, baseada em peixes. É também tradicional a carne de bode, sendo consumida a todo momento, por todas as classes sociais nos mais diversos lugares: restaurantes, bares da margem do rio, etc. O "Bodódromo" é o point do encontro e da festa. Passear de barco pelo rio, com eclusagem na Barragem em Sobradinho, um dos maiores lagos artificiais do mundo, e chegar a fazenda Ouro Verde, da Miolo, através do "Vapor do Vinho", é a grande novidade. É a região que desperta o amor e o ódio dos apreciadores: confesso que é difícil compreender a total quebra de paradigmas e o padrão de qualidade em vinhos "standart" que é possível atingir.
Um novo sotaque ao falar de vinhos, cheio de bom humor, uma nova forma de entender a produção desta bebida, que derruba vários conceitos e transforma uma região de caatinga em fonte de riqueza e fixação do sertanejo a terra; é a diversidade do vinho do Brasil, que supera fronteiras e desenha sua personalidade nos quatro cantos do país. E, há apenas uma hora de vôo a partir de Recife; vale juntar o passeio à uma escapada a praias como Porto de Galinhas, um roteiro diferente e muito interessante.
Por Maria Amélia D. Flores
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