A Serra Gaúcha que eu conheci 7
Bons Vinhos

A Serra Gaúcha que eu conheci 7



Os anos de exagero e perdas

Até o ano de 1989 a relação entre produtores e grandes cantinas como Heublein, Maison Forestier, Chandon e De Lantier era de respeito e parceria.
As cantinas davam assistência técnica através de agrônomos fantásticos como Ciro Pavan, Idalencio Anghebem, Onofre Pimentel e Osvaldo Filipón, forneciam mudas, insumos para implantação de novos vinhedos e remuneravam a uva conforme a qualidade obtida. Por sua vez os produtores se esforçavam produzindo moderadamente fazendo os trabalhos culturais recomendados. Eram acordos “firmados” com o fio do bigode, na confiança mútua.

A comercialização de vinhos tintos começava a superar os brancos e a demanda de uvas deste tipo era maior que a oferta. Para piorar a situação, a safra de 1998 foi pequena e houve uma correria para adquirir Cabernet Sauvignon e Merlot, as mais visadas. A consequência foi uma das maiores estupideces que o setor cometeu comandado por algumas cantinas desesperadas por uva. O preço chegou aos R$ 3,00 ao quilo, o normal teria sido em torno de R$ 1,00, e o que é pior, pagos por uvas sem qualidade.

Acredito que este foi o inicio da fase de aumento dos custos dos vinhos brasileiros que prejudicou sua competitividade. Nas safras dos anos 1999 e 2000 continuou a farra. A disputa insana por uva, com compradores de algumas vinícolas com cheques na mão, fez com que alguns produtores leiloassem sua produção com o que a velha e firme parceria com as vinícolas tradicionais se quebrou.

Esta situação foi lastimável porque a trabalho de décadas estimulando qualidade e baixa produtividade se perdeu e a consequência foi um longo período de uvas de má qualidade, impróprias para elaborar vinhos de alta qualidade.
Os Sindicatos dos Produtores Rurais pouco fizeram para evitar este descalabro e hoje lamentam os abusos que algumas vinícolas cometem quando oferecem preços vergonhosamente baixos aos viticultores.

Esta situação de desigualdade consequência da perecibilidade da uva favorece quem compra mas quando chega a vez do produtor ele não perdoa. Todos se prejudicam, em especial o vinho brasileiro.

A chegada da enologia “moderna”

Nos anos noventa chegou á Serra Gaúcha a nova enologia pelas mãos de enólogos estrangeiros que vieram ao RS para orientar algumas cantinas contratadas para fornecer vinhos para duas redes de lojas inglesas. O líder deste grupo era um enólogo australiano que orientava as elaborações com o uso de técnicas novas para a época.
A novidade era o uso de pó ou serragem de carvalho aplicado durante a maceração ou nos vinhos prontos. Este insumo agregava um forte aroma e gosto de carvalho, característica fundamental para os vinhos destinados ao mercado do Reino Unido que os preferia nesse momento.

É bom lembrar que o mercado inglês, importante importador de vinhos de todo o mundo, sempre foi e continua sendo um “campo de testes”. Este mercado já consagrou os vinhos carregados de madeira (verdadeiros chá de carvalho), os extremamente alcoólicos e atualmente prefere os vinhos mais ligeiros, de mediana estrutura, menor graduação com pouca o nenhuma presença de carvalho.

A entrada dos chamados “chips” de carvalho foi simultaneamente no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile e a moda pegou também para os vinhos produzidos para consumo interno.
Resultado?
Algumas cantinas começaram a destacar nos rótulos de seus vinhos tintos a passagem por “longos períodos de envelhecimento em barricas de carvalho” sem possuí-las.
Infelizmente os consumidores gostaram das notas de baunilha e chocolate que tornavam os vinhos mais amáveis e fáceis de beber e os formadores de opinião destacaram a chegada desta nova tecnologia.

Pessoalmente sempre condenei, não o uso de chips, mas a falta de informação precisa e clara sobre o uso deles. Não é justo que vinhos que não foram afetados pelo alto custo do uso de barricas compitam em igualdade de condições com aqueles “aromatizados” com serragem.

Após a chegada dos chips que substituíam as barricas vieram os equipamentos de micro-oxigenação para simular os efeitos das barricas, a osmoses inversa e a evaporação para retirar água e concentrar o vinho e outras bobagens mais que representaram a “nova enologia”, intervencionista, oportunista, que encurta o tempo e produz vinhos “redondos”, quase adocicados, pouco honestos.

Lamentavelmente alguns formadores de opinião em especial de São Paulo destacaram e deram boas vindas aos novos tempos, aos vinhos que conseguiram quebrar paradigmas, fabricados (não elaborados) com a mais moderna tecnologia.

Como o consumidor de vinhos é progressivo, aprende e educa seu paladar com o tempo e em especial por não ser bobo, a moda destes vinhos com excesso de madeira passou e o mercado começou a valorizar os vinhos honestos que preservem as características do solo, do clima e do homem que o elabora.

A prática do uso de chips continua em muitos países, inclusive no Brasil, sem a obrigação de ser declarada por conta de legislações omissas e pouco direcionadas a preservar quem produz qualidade.

A entrada constante de novos consumidores que pouco exigem mantem as portas abertas para os vinhos “fabricados” de baixo custo para serem baratos. Felizmente o consumidor mais habituado detecta facilmente quem é gato e quem é lebre.

Quando algumas pessoas me perguntam quanto melhorou a qualidade do vinho tinto brasileiro, não me admira que não entendam minha resposta: alguns melhoraram muito, outros nada, outros pioraram.



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