Bons Vinhos
Vinho produzido na frente de combate
Há quatro anos que Karim e Sandro Saadé não visitam Domaine de Bargylus, os 12 hectares de vinha que plantaram em Jebel al-Ansariyé, na Síria. Desde que começou a guerra civil no país que os irmãos, cristãos ortodoxos, gerem a propriedade a partir de Beirute, no Líbano – através do telefone e do Skype. Mas isso não impediu a produção do primeiro vinho sírio nos últimos 500 anos, o Bargylus.
Semanas antes da última vindima, os combates chegaram tão perto da propriedade que os trabalhadores tiveram de fugir e pedaços de artilharia caíram na vinha da casta Sauvignon Blanc. "Eu chamo às últimas três colheitas vins de guerre [vinhos de guerra]. São vinhos muito bons", disse Stéphane Derenoncourt, prestigiado consultor de vinhos francês, à revista Wine Spectator.
O especialista visitava a quinta, situada perto da cidade mediterrânea de Latakia, seis vezes por ano. Ia provar as uvas, para determinar o grau de maturidade e a época de vindima de cada casta. Mas a ameaça de bombardeamentos e de raptos, que têm como alvo estrangeiros, tornou a tarefa impossível. Desde 2011, são os cachos de Syrah, Merlot e Cabernet que viajam de táxi até Beirute, acondicionados em geleiras. A viagem pode demorar seis horas e nem sempre se realiza – a fronteira é encerrada quando há ataques.
Conseguir autorização para importar barris de carvalho de França demora meses, e os Saadés criaram um stock de garrafas e de rolhas para engarrafar o produto caso se declare um embargo comercial ao país.
Quando compraram a propriedade, em 2003, os irmãos já sabiam que não ia ser fácil. "Mesmo antes da guerra éramos nós que tínhamos de tratar da água e precisávamos de geradores para produzir eletricidade", explicou Karim à Wine Spectator. Mas os empresários queriam concretizar o sonho do pai – ter uma vinha no seu país –, e a zona, junto ao porto a partir do qual se distribui o gás natural e o petróleo para o estrangeiro era, até há pouco tempo, uma das mais seguras do país.
Vinha exporta 45 mil garrafas
Plantaram as vinhas e, em 2006, estrearam-se nas vindimas. A primeira casta colocada no solo foi a Syrah, usada na região vinícola francesa do Norte do Ródano – as condições climatéricas são semelhantes. O Domaine de Bargylus situa-se a 900 metros de altitude e é a única quinta vinícola na Síria. Este ano, os irmãos planeiam produzir cerca de 45 mil garrafas, todas para exportação.
A região já foi uma zona vinícola importante, sobretudo durante a ocupação romana. Mas desde o domínio do império otomano, no século XVI, e com a proibição de consumo de álcool ditado pelo Corão, a produção entrou em declínio e as castas autóctones desapareceram.
Os Saadé queriam produzir vinhos que competissem com os melhores de Bordéus e do Ródano, e o consultor francês prometeu resultados. Funcionou, diz Stéphane Derenoncourt: "Os vinhos têm equilíbrio, maturidade, frescura e potencial de envelhecimento, com uma maravilhosa complexidade aromática".
Por Susana Lúcio
Fonte: Revista Sábado
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